Vemos consolidada
uma discussão sobre o significado de um currículo escolar pautado em datas comemorativas,
estas geralmente, sem significado ou com sentido equivocado, mas ainda é
pertinente problematizar porque a data de 19 de abril, conhecida como “Dia do Índio”
é uma das que menos vemos avanços nas práticas pedagógicas.Em uma simples
busca por sugestões de atividades para trabalhar a data em questão em sites,
blogs e redes sociais de professores fica evidente como as práticas estão cristalizadas
e refletem pouca reflexão e até mesmo pouco conhecimento sobre as histórias e
culturas dos povos indígenas. Atividades estereotipadas que lembram muito as
propostas dos anos 1990, período anterior à implementação da lei 11.645/2008,
artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que prevê a
obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileiras e indígenas, em
alteração à lei 10.639/2003.
Olívio Jekupé,
escritor (Etnia: Guarani) - Imagem: Editora DCL
Há uma infinidade
de desenhos para colorir onde o indígena é representado de maneira genérica e
estigmatizada em desrespeito à grande diversidade de povos, etnias, línguas e
culturas. Isso sem contar a representação de um indígena de 1500, negando sua
historicidade. Uma figura semelhante ao Papa-Capim, personagem criado em 1960 por
Maurício de Sousa é vista frequentemente nas escolas, um indígena genérico, sem
etnia, que usa uma tanga vermelha, é pescador e sempre porta seu arco e flecha.
Imagem:
Wikipedia
Assim como o Papa-Capim, os indígenas mostrados nas escolas têm
cabelos lisos e pretos, pele escura, usam tanga, caçam, pescam e moram na
floresta. De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA) e o Censo IBGE 2010, são
896.917 indígenas no Brasil, de 305 povos diferentes. 324.834 vivendo em contexto
urbano e 572.083 em áreas rurais, compreendendo cerca de 0,47% da população. Somente
com estes dados, já fica evidente que não é possível apresentar um “modelo” do
que é ser indígena, pois são povos com história e cultura, cultura esta que influencia
e é influenciada, ou seja, não ficou estática desde o período colonial. Por que não apresentar imagens de diferentes povos indígenas e
nomeá-los? Pesquisar sobre alguns povos e etnias? Selecionar povos presentes no
município ou no Estado e ensinar como vivem, sua relação com a terra, suas
lutas e formas de resistências, como manifestam suas culturas e também apresentar
povos indígenas de outras regiões, demonstrando assim sua diversidade?
Indígenas do Alto Xingu – Imagem: Ana Lucia Gonçalves (ISA)
Kaká Werá, escritor e ambientalista (Etnia: Txucarramae) - Imagem:
RadioMetropólis
Assim como o Papa-Capim, os indígenas mostrados nas escolas têm
cabelos lisos e pretos, pele escura, usam tanga, caçam, pescam e moram na
floresta. De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA) e o Censo IBGE 2010, são
896.917 indígenas no Brasil, de 305 povos diferentes. 324.834 vivendo em contexto
urbano e 572.083 em áreas rurais, compreendendo cerca de 0,47% da população. Somente
com estes dados, já fica evidente que não é possível apresentar um “padrão” do
que é ser indígena no Brasil. Inclusive, é imprescindível salientar que em 2020
não podemos aceitar que as escolas perpetuem utilizando o vocábulo “índio”, que
remete à maneira como os colonizadores designaram os povos originários e à construção
social do termo genérico “índio” como sinônimo de selvagem, primitivo, preguiçoso.
Daniel Munduruku, doutor em Educação e escritor com mais de 50 títulos publicados,
defende o uso de “indígena” que significa originário, que chegou antes dos
outros.
Daniel Munduruku , formado em História, Psicologia e Filosofia, Doutor em Educação (Etnia: Munduruku) – Imagem: Blog Daniel Munduruku
Eliane Potiguara, escritora,
professora e ativista (Etnia: Potiguara) – Imagem: Wikipedia
Muitas
atividades na escola são feitas com boa intenção por parte das professoras, mas
o papel da escola vai além disso. A escola tem a função social de atuar para uma
educação que combata a discriminação, contribuindo para a formação de uma
sociedade fraterna e pluralista que assegure os direitos sociais e individuais.
Para tanto, faz-se necessário reconstruir a História do Brasil que é ensinada nas
escolas. Não é possível admitir que, no século XXI, as crianças sejam apresentadas
aos povos indígenas somente no contexto colonial, como se este fosse o começo
de sua história e que em outros períodos e conteúdos eles não sejam mais
mencionados.
Outro ponto
preocupante é contar a história da colonização somente com a narrativa dos colonizadores, como se os povos indígenas não tivessem seu protagonismo. Aliás,
por que ainda hoje se começa a ensinar História do Brasil a partir da colonização?
E os milhares de anos de história anteriores à chegada ou invasão dos portugueses?
O que pode ensinar
às crianças atividades em que as crianças são pintadas com tinta guache, sem
qualquer referência do significado dessa pintura, dos recursos e materiais utilizados,
sem contextualização e abordagem de um povo em especial? Como se fosse possível
com uma reprodução tão simplória representar um legado cultural tão rico e
milenar.
O que seria
significativo para o trabalho pedagógico? Em primeiro lugar, enaltecer o dia 9
de Agosto, definido pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1994, como Dia
Internacional dos Povos Indígenas, exaltando e valorizando os povos indígenas
de todo o mundo, que representam cerca de 5% da população mundial, dando-lhes
voz e destacando suas identidades. Somente no Brasil, são cerca de 305 povos e
274 línguas. Em algumas redes de ensino, como na rede municipal de São Paulo –
SP, as escolas realizam um trabalho intenso durante todo o mês de agosto, o chamado
Agosto Indígena. Mas sabemos que toda história e cultura dos povos indígenas
não cabem em um único mês e como indica a Lei 11.645/2008, a proposta é que o
trabalho perpasse todo o currículo escolar. Assim, é fundamental investir na
formação e capacitação contínua de professoras/es visando corrigir lacunas da
formação inicial.
Outro ponto é adquirir materiais e recursos didáticos que contribuam
com esta proposta de trabalho, sendo necessário escolher livros didáticos que
abordem conteúdos significativos sobre as histórias e culturas indígenas,
equipar as salas de aula, de leitura e bibliotecas escolares com livros de
escritores indígenas, como Daniel Munduruku,
Chirley Pankará, Eliane Potiguara, Olívio Jekupé, Kaká Werá, Aílton Krenak, entre
outros.
É fundamental
dar voz a estes povos, então apresentar projetos como o Vídeo nas Aldeias, que contém
produção audiovisual de cineastas indígenas, uma forma de conhecer várias
culturas pelo ponto de vista de quem vive nela é uma grande oportunidade e
possibilidade de formação docente e trabalho pedagógico.
Por que não
explorar elementos culturais, como a organização e as formas de trabalho, as
moradias, as brincadeiras infantis, as músicas, as artes, as danças, mas de
maneira contextualizada, pesquisando sobre cada povo ou etnia apresentada? Importante
também que as crianças, jovens e adultos conheçam indígenas que se destacam
pelo trabalho que realizam em suas aldeias ou na sociedade em geral, como os
ativistas Cacique Raoni, Eliane Potiguara e Kaká Werá, a professora e
co-deputada estadual (SP) Chirley Maria Pankará, a médica Miriam de Moraes Viegas,
os escritores Daniel Munduruku, Aílton Krenak, Kaká Werá, Eliane Potiguara, Olívio
Jekupé.
Este texto não pretende
encerrar, mas somente iniciar um diálogo sobre as histórias e culturas dos povos
indígenas na escola, fazendo referência a outros que nos ajudam a pensar
cotidianamente em como qualificar esse trabalho e possibilitar a implementação
da lei 11.645/2008 nas escolas.
Para saber
mais:
Daniel Munduruku: Blog Mundurukando
Escola da Inteligência: Saiba como abordar a diversidade cultural indígena na escola
Instituto Socioambiental
(ISA): Povos indígenas do Brasil e Povos Indígenas do Brasil - Mirim
Autora: Regina Maria da Silva
Mestra em Educação: História, Política, Sociedade, Especialista em Magistério do Ensino Superior, Pedagoga e Socióloga, Professora na Educação Infantil e no Ensino Superior - Santo André - SP
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