sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Representatividade Negra na Infância

Se você pensa que este assunto é importante somente para as famílias de crianças negras, se enganou! Esse assunto é fundamental para o desenvolvimento de todas as crianças, negras ou não-negras e faz parte da função de toda família comprometida com a formação de seus filhos e filhas como cidadãos responsáveis, autônomos, cooperativos e conscientes de seus direitos e deveres. E, acima de tudo, comprometidos na construção de uma sociedade mais justa e, para isso, é primordial adotar uma postura antirracista.

Vou falar sobre a importância da representatividade negra para a formação das crianças. Antes, algumas perguntas para reflexão:

- Ao assistir televisão, as crianças têm exemplos positivos sobre pessoas negras? Se a população negra está em torno de 54% do total, vemos, pelo menos a metade de apresentadores de programas de auditório ou de entrevistas, repórteres, jornalistas, atrizes/atores, modelos, cantores/as negros e negras nas produções que assistimos?

- Em casa ou na escola, as crianças têm contato com livros de autores/as negros/as, com personagens negros/as nessa proporção de 50%?

- Vemos no corpo docente, coordenação e direção das escolas, aproximadamente 50% dos profissionais? Ou essa presença negra é expressiva somente nos cargos de limpeza, apoio operacional e cozinha?

- Quando vamos ao shopping, percebemos que metade dos profissionais em cargos de gerência é negra? E a metade dos vendedores das lojas mais sofisticadas, refinadas e caras? E nas empresas, quem está nos cargos de chefia?

- E na ida a um hospital ou clínica médica, vemos que metade dos médicos/as e enfermeiros/as é negra?

- E no poder executivo e legislativo dos municípios e Estados? E no poder judiciário, como a diversidade racial se manifesta?

Vejam bem! Nem analisamos todos os espaços sociais e percebemos o quanto a nossa sociedade precisa avançar, não é? Se a população negra no Brasil é tão grande, por que ela não está presente em alguns espaços? E por que ela só é maioria nas áreas de maior vulnerabilidade social? Nos postos de trabalho mais precarizados? A resposta é que tudo isso é consequência do racismo estrutural.

                                                Crédito da imagem: @pretapretinhaoficial 

E onde a representatividade negra na infância entra nisso? É importante que as pessoas comecem a se familiarizar e associar as pessoas negras a aspectos positivos, e não somente à miséria, à pobreza, à exclusão social! Para tanto, temos que começar bem cedo, apresentando imagens de pessoas negras em diferentes situações para as crianças, tanto em casa como na escola. Para que elas se acostumem com nossos traços e características e percebam beleza neles. Para que consigam associar nossos corpos negros associados à inteligência, à competência, à liderança, à inovação.

É importante que crianças negras e não-negras tenham bonecas e bonecos negros. Que aprendam a demonstrar afeição e admiração por eles.

Temos que apresentar às crianças negras e não-negras livros escritos por pessoas negras, que tenham personagens negros como protagonistas e como sujeitos de sua história, em diversas situações do cotidiano, não somente para falar de racismo, preconceito e discriminação. E não exclusivamente em datas pontuais, como 13 de Maio e 20 de Novembro.

Precisamos corrigir as lacunas da história escolar que ensina para as crianças que a história do negro está ligada à escravidão sendo que a história do negro, bem como da humanidade, tem início no continente africano. Uma história repleta de contribuições fundamentais para o desenvolvimento científico e tecnológico universal, com grandes reinos e impérios! Nossas crianças precisam conhecer esta história!

Nossas crianças precisam aprender que o desenvolvimento da agricultura, da matemática, da engenharia, da medicina, da astronomia, da escrita, dentre outros, ocorre na África!

Será que se as crianças aprendessem tudo isso e muito mais na escola e em casa, elas iriam pensar que pessoas negras são inferiores, menos inteligentes, menos desenvolvidas ou menos belas? Todas essas concepções são obras do racismo e cabe a nós, pais, mães, responsáveis em geral, professores e professoras um engajamento para combater o racismo, aprendendo mais a cada dia, ensinando às nossas crianças e não reproduzindo preconceitos, discriminações e o racismo no nosso dia-a-dia! E nunca, em hipótese alguma, permitir que uma criança negra seja discriminada. E, quem presenciar uma situação dessa não pode se omitir. Deve intervir e corrigir quem ofende e discrimina.

A página Falando de Racismo no Instagram (@falandoderacismo) elaborou uma lista com 8 atitudes simples que qualquer pessoas pode assumir para educar crianças antirracistas:

1 – Dê livros, brinquedos, filmes com personagens negros e negras.

2 – Se relacione afetivamente com pessoas negras.

3 – Reconheça! Converse sobre a estrutura socialmente racista. Não somos todos iguais.

4 – Exija que a escola seja representativa.

5 – Entenda o privilégio branco e encontre o seu lugar de fala.

6 – Enxergue as pessoas negras ao seu redor e se relacione.

7 – Respeite, conheça e prestigie a cultura afro-brasileira.

8 – Pesquise e visite lugares que celebrem a cultura afro-brasileira.

E acrescento mais dois itens: elimine as expressões racistas de seu vocabulário (dia de branco, a coisa tá preta, denegrir, não sou tuas "nêgas", mulata, cabelo duro ou cabelo ruim, preto de alma branca, nega maluca, cor de pele, cor do pecado, inveja branca, mercado negro, lista negra, ovelha negra, magia negra, humor negro, serviço de preto) e cobre das escolas de seus filhos e filhas o cumprimento da lei 10.639/03 e 11.645/08!

O combate ao racismo é tarefa de todos nós!

domingo, 19 de abril de 2020

Desconstruindo o 19 de Abril: Dia do “Índio” na Escola


Vemos consolidada uma discussão sobre o significado de um currículo escolar pautado em datas comemorativas, estas geralmente, sem significado ou com sentido equivocado, mas ainda é pertinente problematizar porque a data de 19 de abril, conhecida como “Dia do Índio” é uma das que menos vemos avanços nas práticas pedagógicas.Em uma simples busca por sugestões de atividades para trabalhar a data em questão em sites, blogs e redes sociais de professores fica evidente como as práticas estão cristalizadas e refletem pouca reflexão e até mesmo pouco conhecimento sobre as histórias e culturas dos povos indígenas. Atividades estereotipadas que lembram muito as propostas dos anos 1990, período anterior à implementação da lei 11.645/2008, artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que prevê a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileiras e indígenas, em alteração à lei 10.639/2003.
 Olívio Jekupé, escritor (Etnia: Guarani) - Imagem: Editora DCL

               Chirley Pankará, co-deputada estadual SP (Etnia: Pankará) – Imagem: Facebook


Há uma infinidade de desenhos para colorir onde o indígena é representado de maneira genérica e estigmatizada em desrespeito à grande diversidade de povos, etnias, línguas e culturas. Isso sem contar a representação de um indígena de 1500, negando sua historicidade. Uma figura semelhante ao Papa-Capim, personagem criado em 1960 por Maurício de Sousa é vista frequentemente nas escolas, um indígena genérico, sem etnia, que usa uma tanga vermelha, é pescador e sempre porta seu arco e flecha.
Imagem: Wikipedia


 Indígenas do Alto Xingu – Imagem: Ana Lucia Gonçalves (ISA)

Kaká Werá, escritor e ambientalista (Etnia: Txucarramae) - Imagem: RadioMetropólis



Assim como o Papa-Capim, os indígenas mostrados nas escolas têm cabelos lisos e pretos, pele escura, usam tanga, caçam, pescam e moram na floresta. De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA) e o Censo IBGE 2010, são 896.917 indígenas no Brasil, de 305 povos diferentes. 324.834 vivendo em contexto urbano e 572.083 em áreas rurais, compreendendo cerca de 0,47% da população. Somente com estes dados, já fica evidente que não é possível apresentar um “padrão” do que é ser indígena no Brasil. Inclusive, é imprescindível salientar que em 2020 não podemos aceitar que as escolas perpetuem utilizando o vocábulo “índio”, que remete à maneira como os colonizadores designaram os povos originários e à construção social do termo genérico “índio” como sinônimo de selvagem, primitivo, preguiçoso. Daniel Munduruku, doutor em Educação e escritor com mais de 50 títulos publicados, defende o uso de “indígena” que significa originário, que chegou antes dos outros.

        
Daniel Munduruku , formado em História, Psicologia e Filosofia, Doutor em Educação (Etnia: Munduruku) – Imagem: Blog Daniel Munduruku


Eliane Potiguara, escritora, professora e ativista (Etnia: Potiguara) – Imagem: Wikipedia


Muitas atividades na escola são feitas com boa intenção por parte das professoras, mas o papel da escola vai além disso. A escola tem a função social de atuar para uma educação que combata a discriminação, contribuindo para a formação de uma sociedade fraterna e pluralista que assegure os direitos sociais e individuais. Para tanto, faz-se necessário reconstruir a História do Brasil que é ensinada nas escolas. Não é possível admitir que, no século XXI, as crianças sejam apresentadas aos povos indígenas somente no contexto colonial, como se este fosse o começo de sua história e que em outros períodos e conteúdos eles não sejam mais mencionados.

   
 Cacique Raoni Metuktire, ativista ambiental - (Etnia: Kaiapó) Imagem: Wikipedia


Miriam de Moraes Viegas, médica - (Etnia: Guarani) Imagem: Arquivo pessoal/UOL

        
 Outro ponto preocupante é contar a história da colonização somente com a narrativa dos colonizadores, como se os povos indígenas não tivessem seu protagonismo. Aliás, por que ainda hoje se começa a ensinar História do Brasil a partir da colonização? E os milhares de anos de história anteriores à chegada ou invasão dos portugueses?
O que pode ensinar às crianças atividades em que as crianças são pintadas com tinta guache, sem qualquer referência do significado dessa pintura, dos recursos e materiais utilizados, sem contextualização e abordagem de um povo em especial? Como se fosse possível com uma reprodução tão simplória representar um legado cultural tão rico e milenar.

   

O que seria significativo para o trabalho pedagógico? Em primeiro lugar, enaltecer o dia 9 de Agosto, definido pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1994, como Dia Internacional dos Povos Indígenas, exaltando e valorizando os povos indígenas de todo o mundo, que representam cerca de 5% da população mundial, dando-lhes voz e destacando suas identidades. Somente no Brasil, são cerca de 305 povos e 274 línguas. Em algumas redes de ensino, como na rede municipal de São Paulo – SP, as escolas realizam um trabalho intenso durante todo o mês de agosto, o chamado Agosto Indígena. Mas sabemos que toda história e cultura dos povos indígenas não cabem em um único mês e como indica a Lei 11.645/2008, a proposta é que o trabalho perpasse todo o currículo escolar. Assim, é fundamental investir na formação e capacitação contínua de professoras/es visando corrigir lacunas da formação inicial.



    




  


 
 



É fundamental dar voz a estes povos, então apresentar projetos como o Vídeo nas Aldeias, que contém produção audiovisual de cineastas indígenas, uma forma de conhecer várias culturas pelo ponto de vista de quem vive nela é uma grande oportunidade e possibilidade de formação docente e trabalho pedagógico.

   


Por que não explorar elementos culturais, como a organização e as formas de trabalho, as moradias, as brincadeiras infantis, as músicas, as artes, as danças, mas de maneira contextualizada, pesquisando sobre cada povo ou etnia apresentada? Importante também que as crianças, jovens e adultos conheçam indígenas que se destacam pelo trabalho que realizam em suas aldeias ou na sociedade em geral, como os ativistas Cacique Raoni, Eliane Potiguara e Kaká Werá, a professora e co-deputada estadual (SP) Chirley Maria Pankará, a médica Miriam de Moraes Viegas, os escritores Daniel Munduruku, Aílton Krenak, Kaká Werá, Eliane Potiguara, Olívio Jekupé.
    

  Este texto não pretende encerrar, mas somente iniciar um diálogo sobre as histórias e culturas dos povos indígenas na escola, fazendo referência a outros que nos ajudam a pensar cotidianamente em como qualificar esse trabalho e possibilitar a implementação da lei 11.645/2008 nas escolas.

Para saber mais:
Daniel Munduruku: Blog Mundurukando



Autora: Regina Maria da Silva
Mestra em Educação: História, Política, Sociedade, Especialista em Magistério do Ensino Superior, Pedagoga e Socióloga, Professora na Educação Infantil e no Ensino Superior - Santo André - SP