domingo, 19 de abril de 2020

Desconstruindo o 19 de Abril: Dia do “Índio” na Escola


Vemos consolidada uma discussão sobre o significado de um currículo escolar pautado em datas comemorativas, estas geralmente, sem significado ou com sentido equivocado, mas ainda é pertinente problematizar porque a data de 19 de abril, conhecida como “Dia do Índio” é uma das que menos vemos avanços nas práticas pedagógicas.Em uma simples busca por sugestões de atividades para trabalhar a data em questão em sites, blogs e redes sociais de professores fica evidente como as práticas estão cristalizadas e refletem pouca reflexão e até mesmo pouco conhecimento sobre as histórias e culturas dos povos indígenas. Atividades estereotipadas que lembram muito as propostas dos anos 1990, período anterior à implementação da lei 11.645/2008, artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que prevê a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileiras e indígenas, em alteração à lei 10.639/2003.
 Olívio Jekupé, escritor (Etnia: Guarani) - Imagem: Editora DCL

               Chirley Pankará, co-deputada estadual SP (Etnia: Pankará) – Imagem: Facebook


Há uma infinidade de desenhos para colorir onde o indígena é representado de maneira genérica e estigmatizada em desrespeito à grande diversidade de povos, etnias, línguas e culturas. Isso sem contar a representação de um indígena de 1500, negando sua historicidade. Uma figura semelhante ao Papa-Capim, personagem criado em 1960 por Maurício de Sousa é vista frequentemente nas escolas, um indígena genérico, sem etnia, que usa uma tanga vermelha, é pescador e sempre porta seu arco e flecha.
Imagem: Wikipedia


 Indígenas do Alto Xingu – Imagem: Ana Lucia Gonçalves (ISA)

Kaká Werá, escritor e ambientalista (Etnia: Txucarramae) - Imagem: RadioMetropólis



Assim como o Papa-Capim, os indígenas mostrados nas escolas têm cabelos lisos e pretos, pele escura, usam tanga, caçam, pescam e moram na floresta. De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA) e o Censo IBGE 2010, são 896.917 indígenas no Brasil, de 305 povos diferentes. 324.834 vivendo em contexto urbano e 572.083 em áreas rurais, compreendendo cerca de 0,47% da população. Somente com estes dados, já fica evidente que não é possível apresentar um “padrão” do que é ser indígena no Brasil. Inclusive, é imprescindível salientar que em 2020 não podemos aceitar que as escolas perpetuem utilizando o vocábulo “índio”, que remete à maneira como os colonizadores designaram os povos originários e à construção social do termo genérico “índio” como sinônimo de selvagem, primitivo, preguiçoso. Daniel Munduruku, doutor em Educação e escritor com mais de 50 títulos publicados, defende o uso de “indígena” que significa originário, que chegou antes dos outros.

        
Daniel Munduruku , formado em História, Psicologia e Filosofia, Doutor em Educação (Etnia: Munduruku) – Imagem: Blog Daniel Munduruku


Eliane Potiguara, escritora, professora e ativista (Etnia: Potiguara) – Imagem: Wikipedia


Muitas atividades na escola são feitas com boa intenção por parte das professoras, mas o papel da escola vai além disso. A escola tem a função social de atuar para uma educação que combata a discriminação, contribuindo para a formação de uma sociedade fraterna e pluralista que assegure os direitos sociais e individuais. Para tanto, faz-se necessário reconstruir a História do Brasil que é ensinada nas escolas. Não é possível admitir que, no século XXI, as crianças sejam apresentadas aos povos indígenas somente no contexto colonial, como se este fosse o começo de sua história e que em outros períodos e conteúdos eles não sejam mais mencionados.

   
 Cacique Raoni Metuktire, ativista ambiental - (Etnia: Kaiapó) Imagem: Wikipedia


Miriam de Moraes Viegas, médica - (Etnia: Guarani) Imagem: Arquivo pessoal/UOL

        
 Outro ponto preocupante é contar a história da colonização somente com a narrativa dos colonizadores, como se os povos indígenas não tivessem seu protagonismo. Aliás, por que ainda hoje se começa a ensinar História do Brasil a partir da colonização? E os milhares de anos de história anteriores à chegada ou invasão dos portugueses?
O que pode ensinar às crianças atividades em que as crianças são pintadas com tinta guache, sem qualquer referência do significado dessa pintura, dos recursos e materiais utilizados, sem contextualização e abordagem de um povo em especial? Como se fosse possível com uma reprodução tão simplória representar um legado cultural tão rico e milenar.

   

O que seria significativo para o trabalho pedagógico? Em primeiro lugar, enaltecer o dia 9 de Agosto, definido pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1994, como Dia Internacional dos Povos Indígenas, exaltando e valorizando os povos indígenas de todo o mundo, que representam cerca de 5% da população mundial, dando-lhes voz e destacando suas identidades. Somente no Brasil, são cerca de 305 povos e 274 línguas. Em algumas redes de ensino, como na rede municipal de São Paulo – SP, as escolas realizam um trabalho intenso durante todo o mês de agosto, o chamado Agosto Indígena. Mas sabemos que toda história e cultura dos povos indígenas não cabem em um único mês e como indica a Lei 11.645/2008, a proposta é que o trabalho perpasse todo o currículo escolar. Assim, é fundamental investir na formação e capacitação contínua de professoras/es visando corrigir lacunas da formação inicial.



    




  


 
 



É fundamental dar voz a estes povos, então apresentar projetos como o Vídeo nas Aldeias, que contém produção audiovisual de cineastas indígenas, uma forma de conhecer várias culturas pelo ponto de vista de quem vive nela é uma grande oportunidade e possibilidade de formação docente e trabalho pedagógico.

   


Por que não explorar elementos culturais, como a organização e as formas de trabalho, as moradias, as brincadeiras infantis, as músicas, as artes, as danças, mas de maneira contextualizada, pesquisando sobre cada povo ou etnia apresentada? Importante também que as crianças, jovens e adultos conheçam indígenas que se destacam pelo trabalho que realizam em suas aldeias ou na sociedade em geral, como os ativistas Cacique Raoni, Eliane Potiguara e Kaká Werá, a professora e co-deputada estadual (SP) Chirley Maria Pankará, a médica Miriam de Moraes Viegas, os escritores Daniel Munduruku, Aílton Krenak, Kaká Werá, Eliane Potiguara, Olívio Jekupé.
    

  Este texto não pretende encerrar, mas somente iniciar um diálogo sobre as histórias e culturas dos povos indígenas na escola, fazendo referência a outros que nos ajudam a pensar cotidianamente em como qualificar esse trabalho e possibilitar a implementação da lei 11.645/2008 nas escolas.

Para saber mais:
Daniel Munduruku: Blog Mundurukando



Autora: Regina Maria da Silva
Mestra em Educação: História, Política, Sociedade, Especialista em Magistério do Ensino Superior, Pedagoga e Socióloga, Professora na Educação Infantil e no Ensino Superior - Santo André - SP