domingo, 9 de agosto de 2015

Educação das relações étnico-raciais no Ensino de História

Entrevista com o historiador e professor de História da rede estadual paulista 
Jomo Oliveira Campos



Questão 1 – Em sua opinião, houve avanços na política de promoção da igualdade racial, após 12 anos da promulgação da Lei 10.639, na rede estadual em que atua? Considerando formações para os/docentes, inclusão da temática da educação das relações étnico-raciais e ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana no material didático “São Paulo Faz Escola”, discussões nas reuniões pedagógicas, projetos da Secretaria de Educação ou outro tipo de ação?


Resposta - Não é possível dizer que houve avanços significativos. O material didático do São Paulo Faz Escola ainda faz uma abordagem eurocêntrica ao lidar com a História da África.



Questão 2 – Em sua prática no ensino de História quais conteúdos ligados à Educação das Relações Étnico-raciais já fazem parte do currículo do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio?

Resposta - Essa parte é mais “complexa” de explicar. Eu me organizo pela série e pelo conteúdo curricular. Por exemplo, no 6º Ano (Quinta série) e no 1º E.M. há o conteúdo de Antiguidades. Muitos alunos normalmente imaginam o Egito como algo “descolado” do continente africano. Muitos ficam espantados ao verem, por meio de documentos diversos, que egípcios eram negros – reis, rainhas, arquitetos, escribas, astrônomos, pensadores (filósofos), e que esses referenciais nos faltam aqui no Brasil, haja vista em que persistem as distorções sobre a História do Egito e de outros povos africanos bem como mesopotâmicos. Outro ponto, trabalhado amplamente no Ensino Médio, é o racismo estrutural brasileiro (...). 



Questão 3 – Enquanto professor, quais são as principais necessidades que percebe para a efetiva implementação da lei 10.639/03 na rede estadual paulista?
Resposta - O material didático do São Paulo Faz Escola, em História, é de qualidade bastante questionável, pra dizer o mínimo. Atualizar esse material inserindo conteúdo de História da África e Cultura Afro-brasileira já seria um avanço, pois já existem livros didáticos ofertados à rede pública estadual que contemplam a Lei 10.639/03.



 Questão 4 – É possível elencar alguns avanços em políticas da Secretaria de Educação que impactaram o cotidiano escolar no que se refere a essa questão?
Resposta - Não me lembro de ação efetiva alguma. Isso tem partido tanto mais do esforço individual ou coletivo dos professores. Se dependermos politicamente da Secretaria Estadual de Educação, questão racial e de gênero continuarão sendo abordadas de forma superficial e verdadeiramente pouco contundente no ambiente escolar.



Questão 5 – O que você aconselha aos/às professores/as que têm interesse e compreendem a relevância do trabalho com a educação das relações étnico-raciais na escola, mas encontram obstáculos, muitas vezes com a própria gestão da escola e equipe docente?
Resposta - Primeiro, continuar estudando e se aprofundar na temática africana e afro-brasileira sempre que possível. Participar de cursos, mini-cursos, oficinas e assim por diante. Isso nos dá mais “autoridade” para tratar dessas questões tanto com nossos alunos, pais e responsáveis quando questionados, bem como com nossos colegas em ATPCs, por exemplo. Segundo, mobilizar os professores para essa discussão, sobretudo os que se mostram mais inclinados e proativos. Caso a equipe gestora coloque empecilhos para tratar dessa questão, cabem esclarecimentos e, em um cenário mais hostil, denúncias. Tornar esse problema público. E se preparar para possíveis perseguições e sabotagens.



Questão 6 – Agradeço imensamente pela sua disponibilidade e atenção e deixo um espaço para que faça suas considerações finais.
Resposta - Agradeço pela oportunidade de me expressar neste espaço e em outros momentos espero contribuir com mais atividades.


segunda-feira, 30 de março de 2015

"Páscoa na Escola" - a escola laica e o currículo escolar

Entrevista com Denise Mak, Mestra em Educação: História, Política, Sociedade, Pedagoga (Mackenzie) e Professora da Educação Infantil (PMSP)


Pergunta 1 – Denise, por que você acha que o calendário escolar ainda privilegia datas comemorativas para o desenvolvimento do currículo e não o inverso? E também, por que datas religiosas do cristianismo acabam fazendo parte do cotidiano escolar com tanta naturalidade sendo a escola pública uma instituição laica?
As datas estão presentes no universo escolar por uma razão que nós conhecemos: é uma questão histórica.
A construção de uma religião comum a todos e a ideia de nação fizeram com que as datas comemorativas adentrassem as escolas e se tornassem inquestionáveis.
É preciso ver com outros olhos o que está naturalizado dentro do ambiente escolar. Muitos educadores não conseguem fazer esse exercício e enxergam as datas comemorativas como algo que faz parte do currículo, o que é uma atitude equivocada. Já ouvi muitos educadores, colegas de trabalho, falarem: mas se nós não comemorarmos a Páscoa, dia das mães, entre outras datas, o que faremos com as crianças? Essas pessoas acham que a escola de educação infantil perderá seu real intuito sem as datas. Penso justamente o contrário: temos muito a ganhar sem as datas, principalmente sem as religiosas que privilegiam somente o cristianismo, dentro do âmbito escolar. Datas religiosas estão presentes porque nosso país possui uma maioria cristã, mas tudo se trata de uma imposição e manipulação de memórias, de sempre inferiorizar a minoria, isso pode ser constatado na história da educação brasileira. 


Pergunta 2 – Presenciamos no ambiente escolar que os/as professores/as organizam muitas atividades em torno de duas datas religiosas, a Páscoa e o Natal, as mesmas que você abordou em seu artigo “A Páscoa e o Natal: a comemoração dentro da escola”, publicado em 2013 na Revista Acadêmica Veras. Chama a atenção que ao serem questionados/as sobre a comemoração na escola afirmam que não enfocam a religião. Há como fazer isso, considerando que datas significativas de outras religiões não aparecem em outros momentos? Existe uma maneira de comemorar a Páscoa, fazendo atividades de partilha de chocolates, confecção de máscaras de coelho e conversas sobre os símbolos da data, sem explorar o aspecto religioso? Aliás, existe essa necessidade?
Para mim, essas datas devem ser abolidas do calendário escolar, a Páscoa e o Natal, conforme você exemplificou, não devem fazer parte, de modo algum, do currículo de qualquer escola pública laica. Quem deve trabalhar religião, ou não, é a família. Devemos respeitar a religião dos nossos alunos e não impor de maneira incondicional o credo que possuímos.
Se a escola pública comemora datas religiosas cristãs deve comemorar de todas as outras religiões, acredito que isso seja impraticável.
Sobre como trabalhar de outra maneira a Páscoa, seria importante fazer um projeto sobre o coelho, pois muitas crianças acreditam que este animal bota ovos, creio que seria uma maneira científica de trabalhar esta questão, mas isso pode ser incluso em um projeto sobre mamíferos, por exemplo, não necessariamente na época da Páscoa.

Pergunta 3 – Você vê a possibilidade da escola fazer um trabalho que envolva religião sem discriminar ou enaltecer somente alguns grupos?
Eu não vejo como, pois os entes da escola pública possuem uma diversidade religiosa muito grande entre si. Nunca trabalhei fora da educação infantil e desconheço projetos que focalizem esta temática de maneira não discriminatória, se tiver algum projeto sobre isso, eu gostaria de conhecer.  

Pergunta 4 – A partir de sua experiência de pesquisa para o mestrado, seu olhar em relação ao tema “religião na escola” provavelmente ficou mais apurado. Percebeu alguma mudança de posturas ou falas dos/as professores/as em sua presença?
Não houve nenhuma mudança de postura e isso me possibilitou uma boa coleta de dados. Elas sabiam o que eu pesquisava e mesmo assim agiram da maneira que costumam agir em sala. A pesquisa demonstrou o quanto a religião pessoal pode ser levada para dentro da sala de aula e creio que passei a respeitar mais este assunto e a ser mais tolerante com pessoas que tentam impor seus credos dentro de sala de aula, acho que já fui mais radical, mas com o tempo percebi que essa é uma luta difícil e que deve ser construída aos poucos, porém com frequência.



Pergunta 5 – Você concorda com a frequente justificativa de abordar a Páscoa na escola com a necessidade de trabalhar os valores no ambiente escolar?

Discordo. As pessoas tendem a vincular bondade com religião e isso é um ledo engano. A construção de valores não pode ser trabalhada nas datas comemorativas, ela é uma construção cotidiana e coletiva. Devemos respeitar os nossos alunos e demonstrar isso no dia a dia da sala de aula e não com embasamento em alguma data comemorativa, principalmente as vinculadas a uma religião. A ética deve ser algo primordial dentro da escola, consequentemente dentro da sala de aula.