segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Possibilidades Pedagógicas para o Agosto Indígena



 A Lei 14.402/22, de autoria da deputada federal Joênia Wapichana (RR), revogou o Decreto-lei 5.540/43 que instituiu o Dia do Índio. Para Wapichana[1], a importância de renomear a data se deve à necessidade de valorizar a diversidade dos povos indígenas, reconhecendo seus direitos e fortalecendo suas identidades, histórias, línguas e crenças, bem como sua autodeterminação. O termo “índio” possui uma carga negativa, preconceituosa e genérica atribuída no contexto colonial. “Indígena” significa “originário”, “que veio antes”, “nativo”, representando os povos que habitavam estas terras há milhares de anos.

 

VOCÊ SABIA QUE…

A Lei 10.639/03 foi alterada em 2008 pela Lei 11.645 para contemplar a História e Cultura Indígena na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)?

 

            Para Daniel Munduruku[2], o Dia do Índio era uma data folclórica e preconceituosa que remetia às atividades estereotipadas nas escolas em que o indígena era representado como “uma figura com duas pinturas no rosto e uma pena na cabeça, que mora em uma oca em forma de triângulo”. Munduruku afirma que a palavra “índio” é comumente associada à preguiça, atraso e selvageria, como impedimento para o progresso e o desenvolvimento.

 

VOCÊ SABIA QUE…

A população indígena no Brasil, de acordo com o Censo 2022 (IBGE), é de 1.693.535 pessoas de 305 povos e 274 línguas. Em Santo André, são 630 habitantes de diversas etnias, como: Atikum, Fulni-ô, Kaingang, Kariri-xocó, Kambiwá, Kanela, Kaiabi, Kaimbé, Kalabaça, Muiramomi, Pataxó, Pankararu, Pankararé, Pankaraí, Tabajara, Tupi, Guarani, Guaianá, Tuxá, Truká, Xukuru-kariri, Xavante, Kariri, Tremembé, Tapeba, Carijó. Os bairros com maior presença indígena no município são: Cidade São Jorge, Camilópolis, Centreville, Jardim Ana Maria, Vila Luzita, Utinga e Campestre.

Santo André é a primeira cidade da região a oferecer uma Unidade Municipal de Referência para Saúde dos Povos Indígenas junto à Clínica da Família São Jorge. A medida atende à Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas.

 

            Ao longo da trajetória profissional de muitas/os professoras/es, principalmente, na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental I perdurou-se a prática de homenagear o indígena pontualmente no dia 19 de abril com atividades, como: pintura facial com tinta guache, confecção de cocar com pena de cartolina ou E.V.A., cantar e dançar as músicas “Vamos brincar de índio”, da Xuxa, “Curumim Iê Iê”, da Mara Maravilha e “1, 2, 3 indiozinhos” (canção popular), assim como desenhos e painéis com imagens de pessoas indígenas e suas habitações retratadas de modo genérico, estereotipado e descontextualizado:

         Imagens retiradas de busca na Internet a partir da pesquisa: “atividade dia do índio”

 

Contudo, é imperativo que o trabalho com os bebês, crianças, jovens e adultos seja na perspectiva de criar condições para que estudantes não vejam menosprezadas suas culturas, suas religiões e seus antepassados e, consequentemente, se sintam desencorajados a prosseguir seus estudos e a estudar questões que manifestem respeito à sua comunidade. O objetivo das ações afirmativas é superar desvantagens e desigualdades que atingem grupos historicamente discriminados na sociedade brasileira e promover a igualdade entre diferentes, assumindo na prática pedagógica princípios como:

       Desencadeamento de processo de afirmação de identidades, de historicidade negada ou distorcida;

       Rompimento com imagens negativas forjadas por diferentes meios de comunicação e materiais didáticos, contra povos negros e indígenas;

       Ampliação do acesso a informações sobre a diversidade da nação brasileira e sobre recriação de identidades, provocada por relações étnico-raciais.

São práticas que fizeram parte de uma cultura escolar tão enraizada em nossas memórias de estudantes e que não foram ressignificadas e/ou reconfiguradas em nossa formação inicial enquanto professoras/es. Faz-se necessário e urgente buscar essa ressignificação no contexto de nossa formação continuada e cotidiana visando atualizar nossas concepções e construir práticas pedagógicas respeitosas e condizentes com a realidade dos povos indígenas na atualidade.

Nesta perspectiva, o que podemos fazer para qualificar nossa prática pedagógica no que se refere aos povos indígenas?

Para começar, que tal aproveitar o dia 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, para iniciar uma sequência de propostas, vivências e diálogos com bebês, crianças, jovens e adultos que seja distribuída ao longo do ano letivo?

Estas práticas podem ter outra data significativa como marco: 9 de agosto - Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo. Esta data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) pela Resolução 49/214 na década de 1990. Tanto o dia 19 de abril como o 9 de agosto não são datas comemorativas, mas reflexivas, para que possamos nos conscientizar e a nossas/os estudantes sobre a questão indígena, o que envolve pensar sobre o direito à saúde, à terra, às suas tradições, à liberdade, à segurança, à educação, suas histórias, lutas e vivências tanto no contexto rural como urbano.

 

“Agora não devemos lutar para resgatar aquilo que éramos antes, agora é hora de analisar o que fizeram conosco e pensar no que vamos fazer daquilo que fizeram de nós” (Kaká Werá Jecupé)

 

Daniel Munduruku[3] indica alguns caminhos para o trabalho com a temática indígena na escola:

1 - Jogos e brincadeiras:

-          jogo da onça - ver em Como confeccionar e jogar?

-          peteca - ver em Vídeo

-          cabo de guerra - ver em Como se brinca?

-          queimada ou tobdaé - ver em Como se brinca?

-          perna de pau - ver em Como se brinca?

-          bolinha de gude - ver em Como se brinca?

-          manji’o ou arranca mandioca - ver em  Como se brinca?

-          uru-xy - ver em Como se brinca?

-          xondaro - ver em Como se brinca?

-          tangará - ver em Como se brinca?

-          gavião e passarinhos - ver em Como se brinca?

-          guaraná - ver em Como se brinca?

-          briga de galo - ver em Como se brinca?

-          cama de gato - ver em Como se brinca?

-          corrida do Saci - ver em Como se brinca?

 

2 - Grafismos e pinturas corporais:


Indígena guarani - Getty Images

Nesta proposta é importante apresentar grafismos e pinturas de maneira contextualizada, apresentando o povo, suas características, localidade e usos e função do grafismo e/ou pintura. Exemplo: grafismo indígena do povo Guarani-Mbya. O grafismo para o povo Guarani-Mbya pode ser retratado no corpo, no rosto, na cestaria e em outros artefatos, indo além de uma decoração, mas representando suas visões de mundo e filosofia de vida. Podemos encontrá-los em peças de ornamento para comercialização e também em situações ligadas à sua espiritualidade. Para saber mais, clique em: Grafismo Mbyá e sobre o uso do grafismo kaingang na tecelagem, em: Grafismo Kaingang. A Revista Nova Escola publicou no ano passado uma matéria sobre as possibilidades de relacionar os grafismos indígenas com o ensino de Geometria. Clique para ler: Grafismo Indígena e o Ensino de Geometria

 

3 - Cultura material:

É interessante propor experimentações, vivências e diálogos a partir de elementos da cultura material indígena também de modo contextualizado: apresentando um artefato, identificando seus usos e funções, a qual povo pertence e sua localização. Podem ser elementos de cultura material: cestaria, instrumentos musicais (maracá, bazilu, uay. pau de chuva), arte plumária, cerâmicas, construções, adornos, vestimentas, tecelagem, cuias, potes, pratos, bonecas/os, pigmentos naturais, sementes, frutos, dentre outros.

 

“é uma maneira daquele povo representar a sua singularidade, representada na arte plumária, nas pinturas corporais, na cerâmica, na música, na dança, entre outros meios. Devido à colonização, a ação da catequese e a intensa miscigenação, atualmente, das etnias indígenas que sobreviveram, poucas conseguem manter parte de sua cultura original” (CARNEIRO; SOARES. 2016, p. 1[4])

 



Imagem do Núcleo de Transformação e Saberes (NUTRAS) do Museu das Culturas Indígenas, que foi inaugurado em 2021 e fica no bairro Água Branca, em São Paulo - SP

 

4 - Narrativas (contação de histórias):

Organize rodas para contar histórias, nas quais as crianças também exponham relatos que fazem parte das tradições de suas famílias. A ambientação pode ser enriquecida com cantos indígenas, como os tradicionais cantos das crianças guarani. Conheça aqui!

 

5 - Músicas e danças:

Nestes momentos é importante apresentar músicas e danças tradicionais, sempre contextualizando povo e localidade, mas também apresentar artistas indígenas que estão divulgando sua cultura em outras plataformas, como Owerá, rapper indígena guarani-mbyá, a cantora Djuena Tikuna, a multiartista Katú Mirim, a cantora e criadora do selo musical para artistas indígenas Azuruhu Kaê Guajajara, dentre outros.

 

6 - Vídeos:

O documentário Falas da Terra (2021), produzido e exibido na TV Globo possibilita conhecer a diversidade de histórias e culturas indígenas, bem como desmistificar a visão única sobre o que é ser indígena. O vídeo também apresenta personalidades indígenas de diferentes setores sociais. Assista aqui!

O canal Vídeo nas Aldeias reúne produções audiovisuais de indígenas que se colocaram atrás das câmeras para definir o que mostrar de seu cotidiano. O destaque especial vai para Palermo e Neneco e A História do Monstro Khátpy, que também estão disponíveis em livro.

 

7 - Literatura:

A Livraria Maracá (especializada em literatura de autoria indígena) disponibiliza alguns títulos fundamentais para a ampliação do repertório de professoras e professores sobre história e cultura indígena para download gratuito em seu site: Clique aqui e baixe!

Seguem algumas indicações de títulos com autoria e protagonismo indígena para o atendimento à Educação Infantil, Ensino Fundamental I e Educação de Jovens e Adultos:

 


Curuminzice, de Tiago Hakiy 


 Os olhos do jaguar, de Yaguarê Yamã


Coisas de índio, Daniel Munduruku


Coisas de índio: versão infantil, de Daniel Munduruku


A mulher que virou urutau, Olívio Jekupé


     Catando piolhos, contando histórias, de Daniel Munduruku


Kabá Darebu, de Daniel Munduruku


O presente de Jaxy Jaterê, de Olívio Jekupé


Noite e dia na aldeia, de Tiago Hakiy


     Falando tupi, de Yaguarê Yamã


Coração na aldeia, pés no mundo, de Auritha Tabajara


Metade cara, metade máscara, de Eliane Potiguara


A terra dos mil povos, Kaká Werá Jecupé


Nós: uma antologia de literatura indígena (org. Maurício Negro - autores das nações Mebengôkre Kayapó, Saterê-Mawé, Maraguá, Pirá-Tapuya Waíkhana, Balatiponé Umutina, Desana, Guarani Mbyá, Krenak e Kurâ Bakairi).

 

 



[3] Disponível em: Cartografias de ação e desenvolvimento social: povos e comunidades indígenas do ABC - Tekoa Guyrapaju - São Bernardo do Campo (SESC São Paulo e UFABC) - Acesso em 09/04/2024

[4] Disponível em: CARNEIRO, Bruna Rodrigues e SOARES, Poliene Bicalho dos Santos. , E. Arte Indígena e Cultura Material: povos indígenas de Goiás. IN: III Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão da UEG. Inovação, Inclusão Social e Direitos.   Agência e significado nas artes indígenas. Pirenópolis, out. 2016. Disponível em: https://www.anais.ueg.br/index.php/cepe/article/view/8139/5583#:~:text=A%20cultura%20material%20ind%C3%ADgena%20n%C3%A3o,na%20dan%C3%A7a%2C%20entre%20outros%20meios.

sábado, 15 de maio de 2021

A Falsa Abolição ou a Farsa da Abolição: O Dia 14 de Maio

 Jomo de O. Campos e Regina Silva

O Professor Milton Santos, geógrafo, negro, um dos maiores cientistas do Brasil e do mundo, quando perguntado sobre o que significa ser negro no Brasil, respondeu que “ser negro no Brasil é ser com frequência objeto de um olhar enviesado”, havendo para nós negros e negras um lugar predestinado, lá embaixo, na base da pirâmide. O lugar da subalternidade.



Para que o negro saísse desse lugar que lhe foi reservado, foram séculos de lutas e os indicadores sociais atuais referentes à população negra indicam que ainda há um longo caminho a ser percorrido. Antes de chegarmos a tais dados, faremos uma breve exposição sobre a trajetória do negro na História do Brasil.

No Período Colonial, os africanos trazidos ao Brasil vinham de lugares distintos do continente africano. A maioria veio da região localizada ao sul do Equador, pelos portos de Luanda, Benguela e Cabinda. Uma outra parte é proveniente da Costa da Mina e a outra parte de Moçambique. Seus nomes originais, os nomes relacionados a seus grupos étnicos foram apagados e em seu lugar lhes foram atribuídos nomes de acordo com a região onde haviam sido embarcados. 



De acordo com Davi Eltis, entre 1500 e 1867 foram extraídos das costas africanas cerca de 12,5 milhões de africanos escravizados. Desse montante, cerca de 4,9 milhões foram desembarcados no Brasil. 

O tempero do mar foi lágrima de preto

Emicida, “Boa Esperança”

Muitos morreram na travessia. A jornada poderia durar cerca de 30 dias ou mais e as condições eram precárias: má alimentação, impossibilidade de cuidar da higiene, estupros, espancamentos. Houve aqueles que, no momento oportuno, cometiam suicídio (inclusive mulheres e suas crianças), pois era preferível isso à humilhação.


No que diz respeito ao trabalho, os africanos poderiam ser submetidos a uma rotina de mais de 15 horas por dia. A partir da compilação de inúmeras fontes, a historiadora e antropóloga brasileira Lilia Schwartz mostra que no último quarto do século XIX, a expectativa de vida dos escravizados variava de 19 a 21 anos de idade e a expectativa de vida de um não-escravo estava em torno de 27 anos. Da Colônia ao Império, a vida dos não-escravos eram ruins para boa parte da população mas muito piores para os escravizados. A partir dessas informações e de outros estudos, tem-se que o regime escravista, sob tais condições, não se sustentaria sem a contínua reposição de escravos.

Os escravizados resistiram? Reagiram? Sim. Assim como a “democracia racial” e a “não existência do racismo” são mitos, a passividade dos negros ou, pior, a “cumplicidade” no escravismo observado no Brasil - como se africanos negros  tivessem tido o mesmo peso, a mesma dominância de brancos escravocratas - também são mentiras. E é muito importante não confundir a reação violenta do oprimido com a violência sistemática do opressor.


        Há um discurso recorrente ainda hoje em que brancos atribuem aos negros o “dever” de serem mais comedidos em suas demandas e lutas, serem mais pacientes, “oferecerem a outra face”. Se essa tivesse sido a atitude tomada pelos africanos escravizados, Quilombos não existiriam. Se indígenas tivessem sido passivos ou dóceis diante da destruição de sua cultura, da escravidão e roubo de suas terras, não existiriam Reservas. Se indígenas e negros fossem “passivos” e “dóceis”, não estariam lutando em 2021 para não serem exterminados; não estariam lutando por emprego, educação, moradia, saúde e segurança. “Ah, mas todo mundo está lutando por isso!”. Sim. Mas não somos socialmente iguais; não existe, historicamente, simetria entre negros, brancos e indígenas em sociedades oriundas de um processo de colonização.



Quando saímos do Período Colonial e adentramos o século XIX, nos I e II Reinados, do ponto-de-vista institucional, é importante frisar que a primeira Lei de proibição ao tráfico de escravos foi sancionada em 07 de Novembro de 1831 e foi chamada de “Lei pra inglês ver”. Acesse o link abaixo para ler a Lei na íntegra:

Lei de 7 de Novembro de 1831

 Por que? Porque simplesmente foi ignorada. O que os ingleses tiveram a ver com isso? Desde quando a família real portuguesa se retirou da Europa rumo ao Brasil em 1808, apoiada pela Inglaterra, por conta das Guerras Napoleônicas, havia uma pressão para que os portugueses acabassem com o tráfico de escravos e a escravidão nas suas colônias, em favorecimento da ampliação de um mercado consumidor com a “parceira” Inglaterra. Só a partir de 1850, com a Lei Eusébio de Queiróz, o tráfico de escravos foi proibido de fato. 



Em 1850, foi sancionada a Lei de Terras (Lei Nº 601, 18 de Setembro de 1850). Essa foi a primeira iniciativa tomada para a regulamentação de terras justamente no mesmo ano em que a Lei Eusébio de Queiróz foi sancionada. Essa Lei é fruto da articulação de políticos e latifundiários para evitar que negros livres tivessem acesso legal à terra. Um outro golpe foi substituir a mão de obra escravizada por mão de obra livre branca, imigrante. Resumidamente, com a Lei de Terras só seria possível adquirir terras mediante compra, venda ou doação do Estado e, como se viu, pouquíssimas pessoas tinham capital, recursos para adquirir terras. É seguro dizer que as origens da concentração de terras no Brasil e os impasses da Reforma Agrária ainda observados em 2021 estão aí.

No que diz respeito às “Leis abolicionistas”, citam-se: 

  • Lei do Ventre Livre, de 1871

  • Lei dos Sexagenários, de 1885

 


Em 13 de Maio de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea e libertou todos os escravos do Império do Brasil.

Vocês já devem ter ouvido essa narrativa inúmeras vezes no seu tempo de escola e, muito provavelmente, pode ter cristalizado essa informação como correta pelo grande número de repetições a que foram expostos. 



Agora, em 2021, completam-se 133 anos da assinatura da Lei Áurea e o que a sociedade brasileira reflete é que esse tempo foi insuficiente para destruir o abismo socioeconômico criado entre brancos e negros. O acesso aos direitos básicos ainda é dificultado para pessoas negras e os indicadores sociais em educação, saúde, moradia, segurança, lazer, entre outros, representam dois Brasis - o Brasil dos brancos e o Brasil dos negros. 


No Brasil dos negros, a chance de ser analfabeto é cinco vezes maior do que no Brasil dos brancos.

O Brasil dos brancos representa 75% dos estudantes do Ensino Superior.

No Brasil dos negros, 60% das pessoas estão abaixo da linha da pobreza enquanto no Brasil dos brancos, 80% das pessoas compõem o grupo das pessoas mais ricas.

No Brasil dos brancos, em 70% dos lares há uma máquina de lavar, enquanto no Brasil dos negros, quase 40% dos lares não possui sequer uma rede de esgoto.

Em relação à Internet, indispensável neste contexto de pandemia para o trabalho ou ensino remoto, no Brasil dos negros, 51,3% da população não tem acesso enquanto no Brasil dos brancos esse número cai para 38,9%. Ainda sobre a situação pandêmica, em que a população brasileira vem sofrendo com o caos na saúde e na economia, 70% das pessoas que dependem do SUS são negras, população também mais atingida pelo desemprego e maioria entre aqueles que têm menos estrutura para se proteger, figurando assim, entre os que mais morrem. Os negros são os que mais morrem porque saem para trabalhar, usam transporte público lotado e moram em condições que não permitem o distanciamento social. Além disso, a taxa de desocupação da população negra é 58% superior à dos brancos. 




Que abolição foi essa que no dia 14 de maio de 1888 não garantiu aos libertos a possibilidade de inserção no sistema escolar e no trabalho assalariado? Que não ofereceu nenhuma condição de moradia, fazendo com que essa vultosa população se refugiasse nas áreas periféricas sem investimento e interesse social dando origem às favelas? Até a assinatura da Lei Áurea, a prática da capoeira era punida com 300 chibatadas e calabouço. A partir de 1890 até 1937, o decreto nº 847 colocou a capoeira no Código Penal com pena de reclusão de dois a seis meses, ou seja, a presença negra na cidade foi criminalizada. Algumas províncias, como Rio de Janeiro, Alagoas, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, proibiam a matrícula em escolas públicas de pessoas com doenças contagiosas e também de negros. Qual a perspectiva de igualdade de direitos entre brancos e negros com esse cenário? Sabendo que a mão-de-obra escravizada foi substituída pela de imigrantes europeus e que o Estado brasileiro investia explicitamente para embranquecer a nação, inclusive em alguns momentos com o incentivo da miscigenação para eliminação gradual segmento negro e com a sofisticação do projeto de encarceramento e genocídio da população negra. 





Diante do exposto acima, podemos refletir sobre quais narrativas tem se perpetuado no espaço escolar nestes 133 anos dessa falsa abolição. Abolição que ainda dificulta o acesso da população negra à educação, física e simbolicamente, pois além da população negra ser maioria nas escolas com maiores problemas de infraestrutura e em bairros com mais déficit socioeconômico, o currículo escolar ainda reproduz estereótipos sobre as histórias e as culturas afro-brasileiras e africanas, com narrativas que associam o continente africano ao atraso, à subordinação e à miséria, invisibiliza o protagonismo no desenvolvimento científico e tecnológico universal.





Quando estes temas são abordados só enfatizam as contribuições culturais, muito importantes, mas que são subalternizadas e não contemplam toda a história. Cabe à sociedade refletir e provocar mudanças para que as políticas públicas viabilizem a equidade, iniciando por ações que proporcionem uma reparação histórica à população negra. E é papel de educadores e educadoras (e do Poder Público) garantir a efetividade da implementação da lei 10.639/03 para que as pessoas sejam educadas na perspectiva da educação antirracista e educação das relações étnico-raciais para construirmos uma sociedade com justiça social.






Referências consultadas e indicações: