A Lei 14.402/22, de autoria da deputada federal Joênia Wapichana (RR), revogou o Decreto-lei 5.540/43 que instituiu o Dia do Índio. Para Wapichana[1], a importância de renomear a data se deve à necessidade de valorizar a diversidade dos povos indígenas, reconhecendo seus direitos e fortalecendo suas identidades, histórias, línguas e crenças, bem como sua autodeterminação. O termo “índio” possui uma carga negativa, preconceituosa e genérica atribuída no contexto colonial. “Indígena” significa “originário”, “que veio antes”, “nativo”, representando os povos que habitavam estas terras há milhares de anos.
VOCÊ SABIA QUE… A Lei 10.639/03 foi
alterada em 2008 pela Lei 11.645 para contemplar a História e Cultura
Indígena na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)? |
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Para Daniel
Munduruku[2], o
Dia do Índio era uma data folclórica e preconceituosa que remetia às atividades
estereotipadas nas escolas em que o indígena era representado como “uma figura
com duas pinturas no rosto e uma pena na cabeça, que mora em uma oca em forma
de triângulo”. Munduruku afirma que a palavra “índio” é comumente associada à
preguiça, atraso e selvageria, como impedimento para o progresso e o
desenvolvimento.
VOCÊ
SABIA QUE… A
população indígena no Brasil, de acordo com o Censo 2022 (IBGE), é de
1.693.535 pessoas de 305 povos e 274 línguas. Em Santo André, são 630
habitantes de diversas etnias, como: Atikum, Fulni-ô, Kaingang, Kariri-xocó,
Kambiwá, Kanela, Kaiabi, Kaimbé, Kalabaça, Muiramomi, Pataxó, Pankararu,
Pankararé, Pankaraí, Tabajara, Tupi, Guarani, Guaianá, Tuxá, Truká,
Xukuru-kariri, Xavante, Kariri, Tremembé, Tapeba, Carijó. Os bairros com
maior presença indígena no município são: Cidade São Jorge, Camilópolis, Centreville,
Jardim Ana Maria, Vila Luzita, Utinga e Campestre. Santo
André é a primeira cidade da região a oferecer uma Unidade Municipal de
Referência para Saúde dos Povos Indígenas junto à Clínica da Família São
Jorge. A medida atende à Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos
Indígenas. |
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Ao longo da
trajetória profissional de muitas/os professoras/es, principalmente, na
Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental I perdurou-se a prática
de homenagear o indígena pontualmente no dia 19 de abril com atividades, como:
pintura facial com tinta guache, confecção de cocar com pena de cartolina ou
E.V.A., cantar e dançar as músicas “Vamos brincar de índio”, da Xuxa, “Curumim
Iê Iê”, da Mara Maravilha e “1, 2, 3 indiozinhos” (canção popular), assim como
desenhos e painéis com imagens de pessoas indígenas e suas habitações
retratadas de modo genérico, estereotipado e descontextualizado:
Contudo, é imperativo que o trabalho com os bebês,
crianças, jovens e adultos seja na perspectiva de criar condições para que
estudantes não vejam menosprezadas suas culturas, suas religiões e seus
antepassados e, consequentemente, se sintam desencorajados a prosseguir seus
estudos e a estudar questões que manifestem respeito à sua comunidade. O
objetivo das ações afirmativas é superar desvantagens e desigualdades que
atingem grupos historicamente discriminados na sociedade brasileira e promover
a igualdade entre diferentes, assumindo na prática pedagógica princípios como:
●
Desencadeamento de processo de afirmação de identidades, de
historicidade negada ou distorcida;
●
Rompimento com imagens negativas forjadas por diferentes
meios de comunicação e materiais didáticos, contra povos negros e indígenas;
●
Ampliação do acesso a informações sobre a diversidade da
nação brasileira e sobre recriação de identidades, provocada por relações
étnico-raciais.
São práticas que fizeram parte de
uma cultura escolar tão enraizada em nossas memórias de estudantes e que não
foram ressignificadas e/ou reconfiguradas em nossa formação inicial enquanto
professoras/es. Faz-se necessário e urgente buscar essa ressignificação no
contexto de nossa formação continuada e cotidiana visando atualizar nossas
concepções e construir práticas pedagógicas respeitosas e condizentes com a
realidade dos povos indígenas na atualidade.
Nesta perspectiva, o que podemos
fazer para qualificar nossa prática pedagógica no que se refere aos povos
indígenas?
Para começar, que tal aproveitar o
dia 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, para iniciar uma sequência de
propostas, vivências e diálogos com bebês, crianças, jovens e adultos que seja
distribuída ao longo do ano letivo?
Estas práticas podem ter outra data
significativa como marco: 9 de agosto - Dia Internacional dos Povos Indígenas
do Mundo. Esta data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU)
pela Resolução 49/214 na década de 1990. Tanto o dia 19 de abril como o 9 de
agosto não são datas comemorativas, mas reflexivas, para que possamos nos
conscientizar e a nossas/os estudantes sobre a questão indígena, o que envolve
pensar sobre o direito à saúde, à terra, às suas tradições, à liberdade, à
segurança, à educação, suas histórias, lutas e vivências tanto no contexto
rural como urbano.
“Agora
não devemos lutar para resgatar aquilo que éramos antes, agora é hora de
analisar o que fizeram conosco e pensar no que vamos fazer daquilo que
fizeram de nós” (Kaká Werá Jecupé) |
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Daniel Munduruku[3] indica
alguns caminhos para o trabalho com a temática indígena na escola:
1 - Jogos e brincadeiras:
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jogo da onça - ver em Como confeccionar e
jogar?
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peteca - ver em Vídeo
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cabo de guerra - ver em Como se brinca?
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queimada ou tobdaé - ver em Como se brinca?
-
perna de pau - ver em Como se brinca?
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bolinha de gude - ver em Como se brinca?
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manji’o ou arranca mandioca - ver em Como se brinca?
-
uru-xy - ver em Como se brinca?
-
xondaro - ver em Como se brinca?
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tangará - ver em Como se brinca?
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gavião e passarinhos - ver em Como se brinca?
-
guaraná - ver em Como se brinca?
-
briga de galo - ver em Como se brinca?
-
cama de gato - ver em Como se brinca?
-
corrida do Saci - ver em Como se brinca?
2 - Grafismos e pinturas corporais:
Indígena guarani - Getty Images
Nesta proposta é importante
apresentar grafismos e pinturas de maneira contextualizada, apresentando o
povo, suas características, localidade e usos e função do grafismo e/ou
pintura. Exemplo: grafismo indígena do povo Guarani-Mbya. O grafismo para o povo
Guarani-Mbya pode ser retratado no corpo, no rosto, na cestaria e em outros
artefatos, indo além de uma decoração, mas representando suas visões de mundo e
filosofia de vida. Podemos encontrá-los em peças de ornamento para
comercialização e também em situações ligadas à sua espiritualidade. Para saber
mais, clique em: Grafismo Mbyá e sobre o uso do grafismo kaingang
na tecelagem, em: Grafismo Kaingang. A Revista Nova Escola publicou no
ano passado uma matéria sobre as possibilidades de relacionar os grafismos
indígenas com o ensino de Geometria. Clique para ler: Grafismo Indígena e o
Ensino de Geometria
3 - Cultura material:
É interessante propor
experimentações, vivências e diálogos a partir de elementos da cultura material
indígena também de modo contextualizado: apresentando um artefato,
identificando seus usos e funções, a qual povo pertence e sua localização.
Podem ser elementos de cultura material: cestaria, instrumentos musicais
(maracá, bazilu, uay. pau de chuva), arte plumária, cerâmicas, construções,
adornos, vestimentas, tecelagem, cuias, potes, pratos, bonecas/os, pigmentos
naturais, sementes, frutos, dentre outros.
“é uma maneira
daquele povo representar a sua singularidade, representada na arte plumária,
nas pinturas corporais, na cerâmica, na música, na dança, entre outros meios.
Devido à colonização, a ação da catequese e a intensa miscigenação,
atualmente, das etnias indígenas que sobreviveram, poucas conseguem manter
parte de sua cultura original” (CARNEIRO; SOARES. 2016, p. 1[4]) |
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Imagem do Núcleo de Transformação e Saberes (NUTRAS) do Museu das Culturas Indígenas, que foi inaugurado em 2021 e fica no bairro Água Branca, em São Paulo - SP
4 - Narrativas (contação de
histórias):
Organize rodas para contar
histórias, nas quais as crianças também exponham relatos que fazem parte das
tradições de suas famílias. A ambientação pode ser enriquecida com cantos
indígenas, como os tradicionais cantos das crianças guarani. Conheça aqui!
5 - Músicas e danças:
Nestes momentos é importante
apresentar músicas e danças tradicionais, sempre contextualizando povo e
localidade, mas também apresentar artistas indígenas que estão divulgando sua
cultura em outras plataformas, como Owerá, rapper indígena guarani-mbyá, a cantora Djuena Tikuna, a multiartista Katú Mirim, a cantora e criadora do selo musical para artistas
indígenas Azuruhu Kaê Guajajara, dentre outros.
6 - Vídeos:
O documentário Falas da Terra
(2021), produzido e exibido na TV Globo possibilita conhecer a diversidade de
histórias e culturas indígenas, bem como desmistificar a visão única sobre o
que é ser indígena. O vídeo também apresenta personalidades indígenas de
diferentes setores sociais. Assista aqui!
O canal Vídeo nas Aldeias reúne produções audiovisuais de
indígenas que se colocaram atrás das câmeras para definir o que mostrar de seu
cotidiano. O destaque especial vai para Palermo e Neneco e A História do
Monstro Khátpy, que também estão disponíveis em livro.
7 - Literatura:
A Livraria Maracá (especializada em
literatura de autoria indígena) disponibiliza alguns títulos fundamentais para
a ampliação do repertório de professoras e professores sobre história e cultura
indígena para download gratuito em seu site: Clique aqui e baixe!
Seguem algumas indicações de títulos
com autoria e protagonismo indígena para o atendimento à Educação Infantil,
Ensino Fundamental I e Educação de Jovens e Adultos:
Curuminzice, de Tiago Hakiy |
Os olhos do jaguar, de Yaguarê Yamã |
Coisas de índio, Daniel Munduruku |
Coisas de índio: versão infantil, de Daniel Munduruku |
A mulher que virou urutau, Olívio Jekupé |
Catando piolhos, contando histórias, de Daniel Munduruku |
Kabá Darebu, de Daniel Munduruku |
O presente de Jaxy Jaterê, de Olívio Jekupé |
Noite e dia na aldeia, de Tiago Hakiy |
Falando tupi, de Yaguarê Yamã |
Coração na aldeia, pés no mundo, de Auritha Tabajara |
Metade cara, metade máscara, de Eliane Potiguara |
A terra dos mil povos, Kaká Werá Jecupé |
Nós: uma antologia de literatura indígena (org. Maurício Negro - autores das nações Mebengôkre Kayapó, Saterê-Mawé, Maraguá, Pirá-Tapuya Waíkhana, Balatiponé Umutina, Desana, Guarani Mbyá, Krenak e Kurâ Bakairi). |
[1] Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/896465-nova-lei-denomina-o-19-de-abril-como-dia-dos-povos-indigenas-em-substituicao-a-dia-do-indio/ Acesso em 09/04/2024.
[2] Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2022/04/19/dia-do-indio-e-data-folclorica-e-preconceituosa-diz-escritor-indigena-daniel-munduruku.ghtml Acesso em 09/04/2024.
[3] Disponível em: Cartografias de ação e desenvolvimento social: povos e comunidades indígenas do ABC - Tekoa Guyrapaju - São Bernardo do Campo (SESC São Paulo e UFABC) - Acesso em 09/04/2024
[4] Disponível em: CARNEIRO, Bruna Rodrigues e SOARES,
Poliene Bicalho dos Santos. , E. Arte Indígena e Cultura Material: povos
indígenas de Goiás. IN: III Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão da UEG.
Inovação, Inclusão Social e Direitos.
Agência e significado nas artes indígenas. Pirenópolis, out. 2016.
Disponível em: https://www.anais.ueg.br/index.php/cepe/article/view/8139/5583#:~:text=A%20cultura%20material%20ind%C3%ADgena%20n%C3%A3o,na%20dan%C3%A7a%2C%20entre%20outros%20meios.
Parabéns
ResponderExcluirRiquíssimo material e iniciativa de divulgação maravilhosa. Parabéns equipe!!!
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