“Para Vygotsky (1933/34), em suas práticas sociais, os sujeitos se engajam em atividades distintas e são essas atividades que propiciam oportunidades de desenvolvimento de si, dos outros e da sociedade” (LIBERALLI, 2008, p. 21).
Entendemos desse modo que quando há objetivos comuns em um grupo de pessoas, a atividade que elas põem em prática geralmente tem o mesmo sentido. No caso do ambiente escolar em que os professores tem como um de seus principais objetivos a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos, as ações e reflexões giram em torno do processo ensino-aprendizagem. O que ensinar? Como ensinar? Para quem ensinar? Por que ensinar? São algumas das questões que permeiam o cotidiano escolar.
No entanto, os professores não partem (e não o devem) de “achismos” para definir as respostas dessas perguntas tão importantes para a construção do Projeto Pedagógico da escola. Sendo a escola uma instituição, tem suas regras, seus códigos, enfim, atende a uma série de princípios teóricos, metodológicos, axiológicos e legais. Parte destes princípios encontra-se na Constituição Brasileira, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Parâmetros Curriculares Nacionais, Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, dentre outros.
À medida que reivindicações ou necessidades sociais e políticas passam a ser atendidas pela escola é de suma relevância uma tomada de consciência por parte de professores e gestores para que a educação oferecida adapte-se às mudanças e os direitos garantidos pela legislação sejam respeitados. Vivemos um momento em que duas leis alteraram a LDBEN, a de nº 10.639/2003, que obriga o ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas e a de nº 11.645/2008 que contempla a questão indígena. Os cursos de formação de professores, porém, ainda estão em fase de adaptação para o atendimento dessa nova demanda haja vista que a necessidade de abordar a diversidade étnico-racial nas escolas sempre existiu, mas só recentemente veio a ser obrigatória.
No caso dos professores que já atuam na Educação Básica, quais alternativas encontram para incorporar essa mudança à sua prática? Uma das possibilidades é a formação em serviço.
Sendo o coordenador pedagógico o responsável pela formação em serviço dos professores, nos momentos em que há mudança nas diretrizes e/ou legislação educacional, seu papel ganha uma dimensão extremamente significativa e fundamental para garantir que a escola consiga adaptar-se a esse movimento, sem que o professor perca seu referencial e autonomia em relação à sua atuação com as crianças. No caso das Leis Federais de n° 10.639/2009 e 11.645/2008, em que houve alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, acompanhada de grande polêmica social não somente nos meios educacionais, a importância da atuação do coordenador pedagógico é ainda mais delicada.
A Lei nº 10.639/2003 traz a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas e a Lei nº 11.645/2008 complementa-a acrescida da temática da história e cultura indígenas.
“É tarefa de educadores e educadoras a reflexão sobre a realidade racial no Brasil, pois a escola tem papel social primordial: reproduz as concepções de educação e cultura presentes na sociedade, mas também as cria e transforma. A partir desse princípio, cabe a constante busca da resposta à pergunta: como a escola lida com a questão étnico-racial?” (Silva, 2008, p. 29).
Nesse sentido, temos de retomar que para além da formação inicial do professor, Magistério, Pedagogia, Licenciaturas e Bacharelados em geral e as especializações acadêmicas que buscam ao longo da carreira, a escola propicia um espaço de suma relevância para a sua formação em serviço, a educação continuada que, segundo Christov, “traz uma crítica a termos utilizados anteriormente tais como: treinamento, capacitação, reciclagem, que não privilegiavam a construção da autonomia intelectual do professor, uma vez que se baseavam em propostas previamente elaboradas a serem apresentadas aos professores para que as implementassem em sala de aula”. (2008, p. 9). Para a autora, trata-se de uma das funções essenciais do coordenador pedagógico, tem como natureza o saber e o fazer humanos “como práticas que se transformam constantemente. A realidade muda e o saber que construímos sobre ela precisa ser revisto e ampliado sempre. Dessa forma, um programa de educação continuada se faz necessário para atualizarmos nossos conhecimentos, principalmente para analisarmos as mudanças que ocorrem em nossa prática, bem como para atribuirmos direções esperadas a essas mudanças” (idem, p. 10, 2008).
Nessa perspectiva, o principal momento que o coordenador pedagógico tem com o conjunto de professores para viabilizar ações pertinentes à educação continuada na rede privada ou pública é o da Reunião Pedagógica.
“Estamos cientes de que precisamos construir novas bases para pensar e para intervir nas escolas. Essa construção tem no professor coordenador um agente fundamental para garantir que os momentos de encontro na escola sejam proveitosos. É fundamental, ainda, a reorganização do tempo/espaço escolar, uma vez que experiências comprovam a importância de contarmos com o mínimo de duas horas e meia-relógio por semana para reflexões coletivas” (CHRISTOV, 2008, p. 12).
Por essa perspectiva, entendemos que a escola pode oferecer um espaço significativo para a formação contínua dos professores através da reunião pedagógica. “No entanto, para um efetivo trabalho de formação é essencial que haja uma necessidade assumida, de modo a gerar uma razão para o agir, para mover os professores a participarem ativamente desses encontros” (LIBERALI e SHIMOURA, 2006, p. 256). Para Liberali é importante que haja uma necessidade levantada da experiência prática da escola para o convencimento dos professores mediante sua conscientização da importância e utilidade dessas reuniões para sua formação profissional.
Um ponto de grande importância é um trabalho de formação estruturado pelo coordenador pedagógico de modo que os professores também tenham voz. Liberali aponta que os quatro tipos mais comuns de reunião pedagógica são: 1. Reunião utilitária; 2. Reunião de enfoque teórico; 3. Reunião de enfoque prático e 4. Reunião de apresentação de resultados. Na proposta que apresentamos referente à formação dos professores no que tange às leis 10.639/2003 e 11.645/2008, um conjunto de reuniões de enfoque teórico e de enfoque prático faz-se necessário para que a teoria seja apresentada e/ou discutida sem perder o foco que é prática em sala de aula com alunos reais, permitindo assim que as características da Unidade Escolar e sua população usuária sejam respeitadas.
Nesta proposta, elaboramos um conjunto de quatro reuniões pedagógicas para dar início ao trabalho formativo, considerando uma “Nutrição Literária”, ou seja, uma leitura de gênero diverso para dar início, como fábulas, lendas ou contos indígenas ou africanos. Na primeira reunião, propomos a exibição do vídeo “Vista Minha Pele”, de Joel Zito Araújo para sensibilização, reflexão e discussão. É o momento, também, para levantar o que os professores compreendem de conceitos fundamentais à proposta, como racismo, preconceito e discriminação. Esse levantamento pode ser estendido a uma roda de conversa para socialização de como é trabalhada a questão da diversidade étnico-racial em cada grupo classe e como são as relações interpessoais considerando tanto as crianças como os adultos: há uma boa convivência com as diferenças? Há conflitos? De que tipo? Como são resolvidos?
Na segunda reunião pedagógica, propomos um caráter mais teórico. A partir de uma síntese do livro “Do Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar: racismo, preconceito e discriminação na Educação Infantil”, de Eliane Cavalleiro, realizar uma leitura compartilhada com o grupo de professores buscando fomentar uma discussão relacionada ao levantamento das concepções de alguns conceitos e de como se dá o trabalho com a diversidade étnico-racial em sala de aula feito na primeira reunião.
Na terceira reunião pedagógica, a proposta é de discutir diversidade étnico-racial nos materiais didáticos, pesquisando o acervo da escola e os recursos que são utilizados pelos professores para trabalhar com o tema. É o momento de apresentar ao grupo, os materiais e/ou recursos que a escola possui, mas porventura não sejam utilizados, como filmes, músicas, livros didáticos ou paradidáticos, publicações institucionais, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas, do MEC, o texto das leis 10.639/2003 e 11.465/2008, dentre outros.
Na quarta reunião pedagógica, para concluir a proposta oferecendo possibilidades aos professores de atuarem de maneira mais autônoma e manter o trabalho com o tema diversidade étnico-racial, a intenção é de que em pequenos grupos, elaborem atividades e sequências didáticas de acordo com a série ou ciclo em que atuam e depois, coletivamente, planejem as linhas gerais de um plano de ação ou projeto da escola para que haja continuidade nas reflexões e seja garantido às crianças o direito de conhecer e estudar a História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, conforme rege a lei.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas. Brasília, 2004: Conselho Nacional de Educação.
_______. Lei Federal n° 10.639/03 in Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996.
_______. Lei Federal n° 11.645/08 in Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996.
_______. Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Brasília, 2006: Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, Ministério da Educação.
CAVALLEIRO, Eliane. Do Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. Dissertação de Mestrado da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1998.
CHRISTOV, Luiza Helena da Silva. Educação Continuada: função essencial do coordenador pedagógico in O Coordenador Pedagógico e a Educação Continuada. Ana Archangelo Guimarães et alli. São Paulo, 2008: Loyola.
LIBERALI, Fernanda Coelho e SHIMOURA, Alzira da Silva. Material Didático para Construção da Formação Crítica: alguns passos para a realização da reunião pedagógica. São Paulo, 2006.
_______________________. Formação Crítica de Educadores: questões fundamentais. São Paulo, 2008: Cabral.
SILVA, Regina Maria da. Pedagogia do Silêncio: os entraves à implementação da Lei Federal 10.639/2003 em uma escola de Ensino Fundamental I de Santo André. Monografia da Especialização em Magistério do Ensino Superior da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009.
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