É, eu via a Xuxa na televisão. Minha infância (fim dos
anos 1980 e início dos anos 1990) teve a presença constante da referida
apresentadora que, hoje, eu não permitiria aos meus filhos (se os tivesse) e
nem recomendaria aos meus alunos e alunas, se pudesse...
As manhãs com aquela criatura nórdica, surgindo de dentro
de uma nave “espacial”, foram comuns para muitos de minha geração. Muitas das
mensagens, eu só compreendi anos depois. Aquele apelo exacerbado ao consumismo:
o carinho era demonstrado por presentes, brinquedos caros que meus pais,
geralmente, não podiam me dar. Eu escrevia cartas com longas listas de
brinquedos que queria ganhar. No final da imensa lista, escrevia “Eu te amo”,
para sensibilizá-la a me dar todas aquelas coisas. Mas, de verdade, nunca a
amei. Acho que tinha certa lucidez, mesmo na tenra idade.
Porém, poucas meninas não nutriram o desejo de ser
paquita. Eu, até que não. Tive que entender cedo que certas coisas não eram pra
mim. As paquitas tinham que representar as crianças mais lindas e, apesar de
não ter tido problemas em me gostar negra, sabia que as pessoas não me achavam
bonita. Pra isso, eu teria que ter a pele branca, se tivesse olhos claros, então,
maravilha! Teria que ter cabelos que balançassem ao simples movimento. Os meus
não balançavam. Ficavam presos em coques ou tranças. Enfim... sabia que não
poderia ser uma paquita, sabia que as pessoas achariam um absurdo se eu o
quisesse. Sabia que não poderia ter esse sonho. E não o tive! Mas a imaginação
fluía... E se alguém como eu pudesse
aparecer todas as manhãs com assistente de palco daquela que tantas crianças
idolatravam e amavam? E se alguém como eu pudesse apresentar um programa para
crianças, com brincadeiras tão divertidas e desenhos marcantes? Hmmmmmmmmmm...
esse não podia ser meu sonho! Entendi rápido!
Mas quantas meninas negras tiveram esse sonho? Tiveram
esse sonho e foram desiludidas. Ou foram ridicularizadas, humilhadas por
sonhar, por pensar ser “bonita” o suficiente para ser uma simples paquita...
Continua...
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