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terça-feira, 28 de maio de 2013

Reflexões sobre a educação do negro no Brasil – parte I*


No Brasil Império, a Constituição de 1824 estabeleceu uma cidadania com base em dados censitários, dividindo os cidadãos (pessoas nascidas no Brasil e estrangeiros naturalizados) a partir de suas rendas, em três categorias: cidadãos reconhecidos que não podiam votar e nem se candidatar, os que apenas podiam votar e aqueles que podiam votar e se candidatar. No entanto, conforme a ascensão da renda, o cidadão poderia galgar posições. No caso dos libertos, à exceção dos africanos, o grau máximo que podiam atingir era o de votantes, os ex-escravos sofriam restrições políticas, mas é importante destacar que não eram hereditárias e, se não tivessem filhos com escravas (devido à linha de transmissão matrilinear) podiam chegar a cidadãos.
Entretanto, podemos falar em práticas educacionais referentes aos negros mesmo antes do término da escravidão (1888), pois Lei do Ventre Livre Livre consistia em considerar livres os filhos das escravas nascidos a partir de sua promulgação, no ano de 1871, ressaltando que antes dessa lei, toda criança nascida de uma escrava herdava essa mesma condição, sendo já, propriedade do senhor (dono de escravo) de sua mãe.
Os anos de 1850 a 1888 foram marcados por um intenso debate sobre a abolição da escravidão, sendo o ano de 1871, um dos momentos capitais dado que se discutia a libertação das crianças nascidas de escravas – a libertação do ventre como se costumava dizer na época (FONSECA, 2001).

Naquele momento foi uma mudança drástica visto que a única forma de se conseguir novos escravos legalmente, após a proibição do tráfico negreiro em 1850, era a partir do nascimento de filhos de escravas. Foi uma iniciativa que demonstrava a forte determinação de abolir o trabalho escravo gradativamente e substituí-lo pelo trabalho assalariado. Perdigão Malheiros, historiador e jurisconsulto da época, grande defensor da libertação do ventre, foi também um dos primeiros a perceber que a abolição da escravidão traria um grande impacto à educação, porque já questionava que tipo de ensino deveria ser dado a esses futuros cidadãos do Brasil Imperial. Segundo ele, deveria ser uma educação que considerasse os aspectos moral, religioso e de ensino de ofícios.
Na perspectiva apresentada por Malheiros, a libertação do ventre e a educação são articuladas de forma clara, sendo que a educação chega até mesmo a ser tratada como uma dimensão complementar do processo de abolição do trabalho escravo. Portanto, em meio às discussões que começavam a difundir a ideia e a necessidade de estabelecer a libertação das crianças nascidas de escravas, educação e emancipação eram vinculadas como parte do processo geral de preparação dessas crianças para o exercício da liberdade (idem).

No entanto, essa preocupação traduziu-se concretamente com a questão: o que fazer com os novos membros livres na sociedade? E não com as perspectivas a serem criadas para as crianças nascidas livres a partir daquele momento. Em algum momento o projeto de acabar com a escravidão ocorreria “naturalmente”, com a proibição do tráfico, a libertação do ventre e o envelhecimento dos escravos em atividade. Uma questão pouco discutida e de profundas consequências foi a de como as crianças negras livres seriam assistidas, pois o projeto de Lei do Ventre Livre deixava pouco explícito que os senhores das mães escravas ficariam responsáveis em providenciar a educação elementar dessas crianças:
Art. 1.º - Os filhos de mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei serão considerados de condição livre.
§ 1.º - Os ditos filhos menores ficarão em poder ou sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso, o Governo receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade da presente lei. (BRASIL, Lei nº 2.040/1871)

Alguns setores reivindicavam que os senhores deveriam ter a obrigatoriedade de proporcionar às crianças livres a educação elementar para prepará-las para a vida em liberdade. De modo geral, porém, isso era um enorme problema, sendo que havia muitos defensores dos senhores de escravos entre os parlamentares e que não apoiavam o fato de que estes devessem arcar com esses custos. Em um parecer enviado à Câmara dos Deputados, datado de 1870, manifesta-se claramente a posição dos senhores de escravos de que “a libertação do ventre não poderia vir associada a uma mudança efetiva do status das crianças que nasceriam livres” (FONSECA, 2001), exemplificado pelo deputado Rodrigo A. Silva que defendia dois tipos de conduta dos proprietários de escravos: um rigoroso para os ainda escravos e outro mais condescendente para os livres. Mas o próprio deputado chamava a atenção para as possíveis consequências dessa ação. Um impasse, pois as práticas diferenciadas com o novo status das crianças nascidas livres fora do trabalho produtivo para receber uma instrução poderia causar discórdia entre os escravos que continuassem sem qualquer tipo de benefício.
Sendo assim, cria-se a distinção entre criar e educar, e o que se seguiu foi que essas crianças poderiam ficar sob posse dos proprietários de suas mães até os 8 anos de idade e a esse senhor de escravo era oferecida duas opções: a de permanecer com a criança até que esta completasse 21 anos, podendo utilizá-la no trabalho, isto é, criando-a ou de entregá-la ao Estado mediante indenização significativa e, nesse caso, a criança não poderia ser tratada como escrava e, sim, enviada a instituições responsáveis, como o Asylo Agrícola Isabel, no Rio de Janeiro, por educá-la e criá-la. No caso da criança que o senhor de escravo preferisse criar, sua liberdade só se concretizaria a partir dos 21 anos. Contudo, o número de crianças que foram entregues a essas instituições educacionais foi muito pequeno em relação ao número de nascimentos registrados entre os filhos de escravas: de 1871 a 1884, das 113 crianças entregues ao Estado, apenas 21 encontravam-se na província do Rio de Janeiro, onde havia um total de 82.566 crianças nascidas livres de escravas.
Foi uma tentativa de política pública voltada para o negro no período de abolição do trabalho escravo ligada à educação, todavia, sem grande impacto na estrutura social já que havia fortes interesses escravistas nos setores do Império. O resultado foi uma abolição do trabalho escravo de cunho excludente, porém, com a consciência do papel de relevância da educação na inclusão social do negro.
O que nos leva a crer que, entre essa consciência e atitude de não tornar a educação um bem acessível aos indivíduos oriundos do cativeiro, o que verdadeiramente se construiu foi a determinação de incluir os ex-escravos e seus descendentes de forma absolutamente marginal na sociedade organizada a partir do trabalho livre (FONSECA, 2001).

Temos, então, um breve quadro de como iniciou o processo de inclusão educacional do negro durante a abolição da escravidão, considerando-se que o Império determinou a criação das escolas de primeiras letras em 1827. É sabido que o Brasil foi o último país a abolir definitivamente a escravidão e que o processo de integração do negro na sociedade capitalista que se formara ainda não está concretizado.

Fonte: As primeiras práticas educacionais com características modernas em relação aos negros no Brasil, de Marcus Vinicius da Fonseca in “Negro e Educação: presença do negro no sistema educacional brasileiro”, ANPED e Ação Educativa, 2001.

(*Excerto de trabalho de conclusão de curso apresentado na Especialização em Magistério do Ensino Superior, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC SP, em 2008)


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